O "Jornal de Notícias", na edição de 17 de Fevereiro, concedeu-lhe, justificadamente, uma página. É Mulher, jovem, tem um curso de Gestão na Universidade do Minho para acabar e uma família a passar dificuldades.
Chama-se Carla Salazar, é famalicense como nós e só quer ter possibilidade de ser igual - a outros jovens, a outras mulheres, a outros homens. Pede pouco, afinal: uma oportunidade para concluir o curso que escolheu e a manutenção de uma bolsa de estudo que já teve e que, pelas contas e critérios economicistas de quem manda nos serviços sociais universitários, deixou de ter. Só assim pode pagar as propinas que uma instituição de ensino público lhe exige. Só pede um apoio em tudo idêntico àquele de que usufruem as duas irmãs que estudam Medicina, no Porto, uma das quais concluiu o ensino secundário com 20 em todas as disciplinas.
Lida a reportagem da jornalista Alexandra Lopes até ao fim, a Carla até se contenta com pouco: só quer ter amanhã, sobreviver para poder lutar por um espaço seu neste mundo super-competitivo e egoísta que é o nosso. O mesmo amanhã que levou os pais a fechar o minimercado que assegurava o sustento da família, de seis pessoas. Um desfecho inglório que a Carla, como o comum dos mortais, os banqueiros e as agências de rating para a crise, não previu e em Maio de 2009, sem contabilidades criativas nem consultores pagos a peso de ouro, meteu os papéis para renovar a bolsa de que usufruiu no ano académico anterior. A resposta, cerebral e insensível, chegou-lhe há pouco: nega!
Segundo o burocrata que, sentado a uma secretária, em Braga, lhe fez a folha sem deitar contas à vida, a Carla tinha há 10 meses "uma capitação média mensal que excede o limite máximo" para lhe voltar a ser concedida uma bolsa de estudo. Pelos vistos, ao contrário da actual crise económica mundial, que na Primavera de 2008 nos entrou vida adentro sem avisar, os apoios sociais universitários obrigam a uma engenharia financeira elaborada. De outra forma, o dinheiro em caixa sempre dá para politécnicos e universidades fazerem umas aplicações de "retorno garantido", diziam eles, na banca comercial. Uma VERGONHA!
Chocado com tudo isto, já levei o assunto à Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão. O incómodo da maioria e do presidente da Câmara foi indisfarçável e a resposta à questão de fundo que coloquei foi própria de um qualquer "mau pagador". Sacudindo o capote, o deputado municipal do PSD e ex-vereador com o pelouro da Juventude, Jorge Paulo Oliveira, limitou-se a dizer que a Câmara já atribui 100 bolsas de estudo a estudantes do ensino superior residentes no concelho.
- Mas, em concreto, e a Carla, ainda questionei.
- Sabe se ela se candidatou? Não sabe?... Então trate de fazer com que ela se candidate e depois nós falamos - foi a resposta com que fui aviado.
Hoje, 8 de Março, em que o mundo celebra o Dia da Mulher, entre declarações políticas repetidas há anos e proclamações simpáticas para elas e juras de amor eterno, a par de sessões de comes e bebes animadas com bailes e sessões de strip com reserva de admissão, voltei a pensar na Carla.
Convocando-a para aqui, quero que ela fique a saber que não está só nesta luta pela oportunidade de ser jovem, mulher e cidadã por inteiro, que prefere estudar, apetrechando-se para o futuro, do que se acomodar a um qualquer rendimento mínimo ou esmola social do Estado. Quero prestar-lhe, singelamente, a minha homenagem e quero que saiba que há homens que são mais sensíveis a exemplos de vida e a lutas pela dignidade de ser mulher do que a celebrações ditadas pelo calendário do politicamente correcto. É o meu caso e, estou certo, o de muitos famalicenses - de todo o género e condição.
Porque o direito a sermos tratados como iguais, na educação como na realização pessoal, é legítimo anseio de todos!, inerente à condição humana, independentemente do sexo, da idade, da religião ou da orientação sexual.
Carla!, não baixe os braços nem se deixe derrotar pelas "regras técnicas" dos serviços sociais da UM. A maior e mais generosa bolsa que alguém lhe podia dar, deu-lha a sua Mãe, a D. Conceição, durante nove meses. Nesta selva em que vivemos, é a única bolsa a que, pelos vistos, temos direito. É triste reconhecê-lo, mas é verdade...
Carlos de Sousa
Sem comentários:
Enviar um comentário